terça-feira, 8 de julho de 2014


No início dos anos 1800, a Irlanda era um país em estado de sítio. A pobreza e os conflitos destruíam a vida de inúmeros católicos irlandeses. Para eles, a vida toda era um choque entre "os que têm" e "os que não têm", entre os protestantes e os católicos, entre os ingleses e os nativos irlandeses.
 
Foi naquela Irlanda devastada que nasceu Patrick Hoy.
 
E quem era Patrick Hoy?
 
Ele veio ao mundo em 1803. Ele era um dos "que não tinham". A obscuridade da sua história é quase total. Literalmente nada se sabe sobre os pais dele, nem sobre o local em que ele nasceu. Apesar de tudo isso, podemos reconstituir a trajetória de Patrick Hoy a partir dos fatos que conhecemos hoje sobre os imigrantes irlandeses que partiram para a América do Norte nas décadas de 1830 e 1840, bem como com base em episódios da história da família registrados nos arquivos do navio que os levou para os Estados Unidos e em dados do censo norte-americano de 1860.
 
A Irlanda de Patrick Hoy
 
A Irlanda era um país agrícola de oito milhões de habitantes, que figuravam entre os mais pobres de todos os países pobres. A expectativa de vida era cerca de metade do que é hoje: 40 anos, tanto para homens quanto para mulheres. Muitas mães morriam no parto. A taxa de mortalidade infantil era assustadora. Ser irlandês era sinônimo de sofrer e ser oprimido.
 
Uma revolta nacionalista irlandesa foi brutalmente esmagada pelos ingleses em 1798. Os enforcamentos eram comuns. Em 1800, a Irlanda foi formalmente anexada à Inglaterra. Os católicos se viram excluídos do Parlamento. Os protestantes eram donos de 95% das terras da Irlanda.
 
À medida que o século avançava, só aconteciam algumas melhoras marginais. A emancipação católica veio em 1829, graças aos esforços heroicos do advogado Daniel O'Connell. Ainda assim, uma pesquisa britânica feita de 1835 mostra que 75% dos trabalhadores irlandeses estavam sem emprego e muitos se viam obrigados a viver como mendigos.
 
O horror da fome
 
Fugindo da miséria do seu país ocupado, um milhão de irlandeses partiu da ilha entre 1815 e 1845, incluindo a minha família, os Hoys. O que mais nos espanta hoje, porém, é o horror que ainda viria depois: a epidemia de fome.
 
Em apenas seis anos, um em cada oito irlandeses morreu. De fome.
 
Entre 1845 e 1851, outro milhão de irlandeses partiu ou foi expulso da sua ilha natal. As estatísticas são estarrecedoras. Em 1880, a população da Irlanda tinha diminuído 30%, uma queda inigualável em toda a história da Europa moderna.
 
Patrick Hoy consegue escapar
 
Como a maioria dos seus compatriotas, Patrick Hoy era um trabalhador da terra e um batalhador que “sobrevivia de bicos”. Trabalhava para os outros e, não tendo nada, ainda pagava aluguel com seu salário de miséria. Patrick se casou com Catharine e o casal teve um filho, a quem também batizou como Patrick, em 1833. É muito provável que a família morasse em um rancho de quarto único, sem janelas, feito de pedras e barro.
 
De alguma forma, aos 33 anos, Patrick tinha conseguido poupar o suficiente para fugir da miséria com a jovem família e ir embora para o Novo Mundo. Em 1836, quando a grande fome ainda nem era imaginada na Irlanda, eles provavelmente partiram de Dublin para Liverpool, na Inglaterra, um dos principais portos de onde zarpavam os navios rumo à esperança na América do Norte.
 
A jornada
 
A passagem de Hoy deve ter custado entre 3 e 5 libras: simplesmente o salário de um ano inteiro. O valor era apenas para chegar de Liverpool até os EUA. Não incluía o custo da viagem prévia entre Dublin e a Inglaterra.
 
Em Liverpool, a família deve ter passado por um exame médico, para atestar que não tinham nenhuma doença contagiosa. Um ou dois dias depois, eles teriam embarcado no Dalmatia.

O Dalmatia era um navio de 358 toneladas, com capacidade para cerca de 150 pessoas. Como a viagem aconteceu antes da grande fome, o navio provavelmente partiu bem equipado e podia proporcionar aos emigrantes uma viagem relativamente segura.
 
Os passageiros que compartilhavam a terceira classe com a família Hoy vinham do País de Gales, da Alemanha, da Escócia, da Inglaterra e da Irlanda. Estavam preparados para trabalhar duro nos Estados Unidos: os registros do Dalmatia listam profissões como ferreiro, sapateiro, construtor de moinhos, empregada doméstica, alfaiate...
 
O Dalmatia chega ao porto
 
A viagem transatlântica deve ter levado de 21 a 30 dias, à mercê do tempo e do vento. Segundo os registros do navio, dois emigrantes morreram no trajeto. O Dalmatia ancorou em Manhattan no dia 30 de setembro de 1836.
 
Os Hoys se viram então às voltas, já no cais do porto, com ambulantes e aproveitadores de todo tipo, alguns falando gaélico e tentando tirar vantagem dos recém-chegados famintos, cansados, perdidos, sem referências. Eu espero que Patrick tenha se preparado de antemão para evitar esses charlatães e se dirigido em segurança até a paróquia católica mais próxima.
 
A vida em Nova Iorque
 
Uma vez na América, a família Hoy deve ter se estabelecido em uma comunidade irlandesa da região de Nova Iorque e encontrado uma paróquia católica, já que era isso o que os irlandeses faziam ao chegar ao Novo Mundo: ficar juntos nas cidades e procurar apoio na própria fé.
 
Igreja católica, para os imigrantes, era o ponto de referência da comunidade, um lugar de conforto espiritual e de segurança. Possivelmente, quem ensinou inglês à família, que só falava gaélico, foram as freiras católicas. Também devem ter sido elas que ajudaram Patrick a conseguir o primeiro trabalho. Os padres davam os sacramentos à família e a protegiam da política e das violentas gangues de Nova Iorque.
 
Quais eram as paróquias irlandesas de Nova Iorque naquele tempo? A primeira foi a velha igreja de São Pedro, construída perto das docas de Manhattan na década de 1790. A pedra angular da catedral velha de São Patrício foi lançada em junho de 1809, para ser a sede do bispado.
 
Quando os Hoys chegaram, duas novas paróquias estavam surgindo em Nova Iorque: a de São João Evangelista, em 1830, a de Santa Maria na Grand Street, em 1832. Com a chegada das levas de imigrantes em fuga da grande fome, na década seguinte, os primeiros socorros católicos já podiam ser encontrados nas novas igrejas de Santa Brígida, na 8th Street, de São Raimundo, no Bronx, de Santo André, perto da infame favela Five Points, e de São Columba, no West Side.
 
Os padres irlandeses
 
Os padres católicos começaram a emigrar da Irlanda para os Estados Unidos na década de 1830: se na Irlanda havia excedente de clero, na América do Norte havia falta de sacerdotes.
 
No final do século XIX, os padres irlandeses eram os sacerdotes estrangeiros mais numerosos dos EUA: cerca de 4.000 chegaram nas décadas seguintes à de 1840. Em meados do século, 59% dos padres da diocese de Nova Iorque tinham origem irlandesa.
 
Esses sacerdotes e fiéis enfrentaram um sentimento intensamente anticatólico e anti-irlandês nos Estados Unidos, em grande parte promovido pelo movimento nativo "Know Nothing", cujo objetivo era repelir os irlandeses, a quem chamavam de "papistas". Em 1844, um surto de violência e de queimas de igrejas católicas se espalhou pela Filadélfia. Em Nova Iorque, o arcebispo John Hughes, informado sobre esses ataques, organizou grupos de irlandeses armados para protegerem suas igrejas e fez uma visita ao prefeito de Nova Iorque, a quem advertiu com firmeza: se uma única igreja católica fosse tocada, os irlandeses queimariam Manhattan inteira.

Por volta de 1850, a quantidade de residentes nascidos na Irlanda era mais alta em Nova Iorque do que em Dublin.
 
Os Hoys voltam a partir
 
Patrick e sua crescente família saíram da cidade de Nova Iorque para Pittstown, um vilarejo agrícola no norte do estado de Nova Iorque, perto de Albany. A essa altura, o pequeno Patrick-filho já tinha 17 anos e mais seis irmãos. Aconteceu então a tragédia: Catharine morreu. Não sabemos a data exata nem a causa da morte, mas, provavelmente, ela faleceu em Pittstown ao dar à luz o último filho.
 
Em 1856, Patrick se juntou ao movimento de americanos que rumavam para o Oeste do país, em busca de fortuna longe das movimentadas cidades da costa do Atlântico. A perda da esposa pode ter sido o impulso final para a tomada dessa decisão. Centenas de quilômetros longe de Pittstown, em Illinois, Patrick conheceria e se casaria com Elizabeth Doherty, ela também nascida na Irlanda.
 
Patrick, Elizabeth e família aparecem no censo norte-americano de 1860 morando na cidade de Palos, Cook County, no Estado de Illinois. Eles já eram, nessa época, os orgulhosos proprietários de cerca de 140 hectares de terra cultivada.
 
Vinte e quatro anos depois de Patrick ter juntado as suas parcas economias e comprado a passagem para levar a pequena família embora de uma Irlanda à beira do desastre, ele conseguiu realizar o seu sonho americano.
 
Foi de Patrick e Elizabeth que nasceu a minha bisavó, Alice Hoy, depois de a família ter novamente partido, dessa vez para outra fazenda no Estado de Iowa.
 
E foi por meio deles, também, que a fé da nossa família foi retransmitida para mais uma geração, chegando assim à minha mãe.
 
Obrigado, meu Deus!Fonte:Aleteia

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