terça-feira, 14 de outubro de 2014


Um recente editorial do New York Times declara que a maré virou contra os “conservadores culturais”. Com a opinião pública se voltando para a esquerda em questões sociais, afirmam os editores, os eleitores norte-americanos estão rejeitando posições "radicais" contra o aborto e contra o "casamento" entre parceiros do mesmo sexo. As questões sociais, dizem sorridentemente os editores, são agora ferramentas "poderosas" em favor dos democratas. Ao martelar as visões republicanas sobre os chamados “direitosreprodutivos”, os candidatos democratas esperam "incitar a raiva das mulheres" (especialmente das solteiras) e conquistar assim o seu voto. Essa retórica da "guerra contra as mulheres" soa um pouco obsoleta, mas é uma tática que ainda funciona suficientemente bem. Alguns estrategistas republicanos, aliás, chegam a admitir que os democratas "venceram de fato a guerra dacultura".

À luz da recusa da Suprema Corte dos EUA a rever cinco decisões judiciais federais que tinham derrubado proibições estaduais ao “casamento” homossexual, poderíamos nos sentir tentados a pensar que o "New York Times" tem razão em sua opinião. Mantidas essas decisões, o "casamento" entre pessoas do mesmo sexo se tornará efetivamente legal (e não poderá ser barrado) em 30 Estados norte-americanos, nos quais os parceiros do mesmo sexo, portanto, poderão "se casar".

O momento é da esquerda em muitas questões e parece que o único objetivo de muitos liberais sociais é fazer as pessoas concordarem com a visão moral deles. Os jovens da América do Norte são os mais suscetíveis a ser arrastados por essa visão. Sem bagagem sólida de conhecimento histórico e sem habilidades maduras para analisar e raciocinar a fundo, eles podem ser facilmente conquistados por slogans que apelem à “liberdade”, à “tolerância” e à “mudança”. Eles rejeitam, quase em uníssino, o que os editores do "New York Times" chamam de "obsolescência crescente" das posições morais conservadoras sobre aborto e casamento homossexual. "Para uma nova geração de eleitores", de acordo com o jornal, "os velhos slogans da direita sobre a ‘santidade da vida’ e a ‘santidade do casamento’ perderam poder e se reduzem a intromissões na liberdade humana".

Não é bem assim. Os editores do “New York Times” entenderam errado várias coisas.

Em primeiro lugar, mesmo que fosse verdade que a "vitória" na guerra da cultura pudesse ser medida por gráficos de opinião pública, o panorama real é heterogêneo e bem mais dinâmico do que o "New York Times" faz parecer. Os liberais podem ter desequilibrado a balança em alguns aspectos, mas não podemos dizer de maneira alguma que eles "venceram".

casamento está em crise (e não há nenhuma surpresa nisto), desafiado por coabitações e divórcios. Uma pesquisa do Instituto Pew feita em setembro de 2014 relata que 55% dos adultos com mais de 50 anos afirmam que o casamento e os filhos deveriam ser prioridades da sociedade, mas dois terços dos jovens adultos (18-29 anos) discordam deles. A maioria dos adultos com mais de 50 anos diz que é "muito importante" que os casais se unam em matrimônio caso pretendam mesmo ficar juntos; apenas um terço dos jovens adultos concorda com isto.

Quanto à suposição de que "todo mundo sabe" que o índice dedivórcios nos EUA é de 50%, o fato é que isto não é verdade. O índice varia de acordo com a prática religiosa (é 27% menor entre os frequentadores regulares de igrejas) e ainda de acordo com a etnia e com a educação. Entre os adultos que estão ou já estiveram casados​​, 28% dos católicos se divorciaram, em comparação com 39% dos protestantes e 42% dos que não têm filiação religiosa.
No geral, 72% dos adultos ainda estão casados com o primeiro cônjuge. Quem se divorciou e se casou de novo é mais propenso a se divorciar uma segunda ou terceira vez, o que eleva a média total de divórcios.

A coabitação cresce cada vez mais. Em 2013, 48% das mulheres “moravam junto” com um parceiro; 40% dessas relações se transformaram em casamentos, 27% terminaram e 32% permaneceram como coabitação. Os casais que moram juntos ainda enfrentam outros desafios quando resolvem se casar. O hábito do “seu” e do “meu”, em vez do “nosso”, pode estar profundamente enraizado nesses parceiros; além disso, a facilidade do acesso ao divórcio reduz o incentivo a se perseverar no casamento em meio às dificuldades.

Em questões morais, os pontos de vista dos norte-americanos refletem uma mistura de tendências conservadoras e liberais. De acordo com o Instituto Pew (abril de 2014), os americanos mantêm visões morais muito tradicionais no tocante ao aborto (apenas 17% o acham moralmente aceitável), aos casos extraconjugais (4% dizem que eles são moralmente aceitáveis) e à homossexualidade (23% dizem que ela é moralmente aceitável). Outra pesquisa do Instituto Pew identificou que mais norte-americanos consideram hoje que a homossexualidade é pecado (50%) do que há um ano (45%). Mesmo assim, 49% apoiariam o “casamento” homossexual. Por fim, a maioria dos norte-americanos encara favoravelmente a contracepção (apenas 7% dizem que ela é moralmente inaceitável) e defendem pontos de vista contraditórios quanto ao sexo pré-marital.

Mas as estatísticas não contam toda a história. Elas podem ajudar a "tirar a temperatura" da nossa cultura, mas as sondagens de opinião públicas não são capazes de coroar sozinhas um vencedor na guerra cultural.

Temos que nos perguntar o que exatamente é a "cultura" e o que seria uma "vitória cultural". Estas questões nos obrigam a pensar profundamente sobre o bem comum, o significado da vida, a nossa dignidade como seres humanos, a realização pessoal e até mesmo a questão da vida eterna. Ao longo da história, os revolucionários venceram guerras culturais derrubando as instituições existentes e os seus costumes. O que normalmente se segue disso é o caos e a tirania.

O editorial do "New York Times" descarta a "santidade da vida" e a "santidade do casamento" como sendo “velhos tópicos de direita” que “não demonstraram ter os efeitos desejáveis”. Mas esses princípios – a defesa da vida humana, a importância do casamento, a dignidade intrínseca do ser humano, a liberdade humana ordenada – são grandes bens que comprovam todos os dias os seus efeitos desejáveis​​. Na direção contrária, também podemos ver todos os dias, ao nosso redor, as consequências dos pontos de vista que consideram barata a vida humana e sem importância o casamento.

O paradigma da vitória na guerra da cultura segundo o "New York Times" é profundamente insatisfatório e não pode ser sustentado.
Será que os entusiastas do sexo descompromissado e despreocupado e os fãs da cultura do “ficar” em vez do “casar-se” podem mesmo afirmar que "venceram", quando os níveis epidêmicos das doenças sexualmente transmissíveis (DST) custam, numa projeção conservadora, 15,6 bilhões de dólares por ano só nos EUA, o que é o dobro do orçamento anual dos Centros de Controle de Doenças do país?
Será que eles podem mesmo afirmar que “venceram” quando milhões de casais não conseguem ter filhos porque alguma DST os deixou inférteis?
Será que eles podem mesmo afirmar que “venceram” quando os suicídios de adolescentes continuam aumentando e deixando para trás milhares de famílias devastadas?
Será que eles podem mesmo afirmar que “venceram” quando a pornografia transforma homens saudáveis em impotentes?
Será que eles podem mesmo afirmar que “venceram” quando ensinam as mulheres jovens a se entregar e até a promover formas disfarçadas de violência sexual e de degradação pessoal?
Será que eles podem mesmo afirmar que “venceram” quando um milhão de bebês é morto todos os anos por meio do aborto?

A “guerra da cultura” não é uma campanha para conquistar maiorias inconstantes. É um debate sobre a nossa autocompreensão como sociedade e sobre a nossa visão pública de dignidade humana, valor e destino.

É verdade que a cultura norte-americana parece estar numa espiral crescente de individualismo, utilitarismo, secularismo e hedonismo, que afeta profundamente as nossas relações com os outros. Os corações focados em si mesmos ficam cada vez mais duros diante dos deficientes ou dos idosos solitários, mais desconectados dos vizinhos e dos amigos, mais utilitarista quanto aos embriões humanos concebidos e destruídos durante a fertilização in vitro, mais indiferentes às mulheres que gestam “filhos de outras” por meio de contratos de barriga de aluguel ou que se tornam escravas do comércio sexual, mais anestesiados diante da solidão e das terríveis dificuldades dos migrantes.

Mas, dizem os editores do “New York Times”, a "mudança na opinião pública, com o tempo, pode ajudar a dar fim às políticas de divisão cultural". Assim, o "New York Times" tenta nos fazer crer que se os conservadores culturais abandonarem as suas “armas discriminatórias” (como a "consciência" e a "fé religiosa"), pararem de usar a "fé católica como escudo" e deixarem de lado os "tópicos" cansativos ​​da "santidade da vida" e da "santidade do casamento", todos nós acabaremos levantando um brinde à definitiva "vitória" liberal na guerra cultural.

Nós temos, literalmente, milênios de dados factuais que demonstram que esta não é a maneira mais satisfatória de viver. O coração humano clama por muito mais. Nós ansiamos naturalmente pela verdade, pelo bem e pela beleza e não ficaremos satisfeitos até compreendermos isso.

No curto prazo, as batalhas podem ser bem difíceis. E serão. Mas a "guerra" nunca será perdida. Fonte:Aleteia

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